domingo, 30 de junho de 2013

Rinkel e Vera Duarte (A Nação)

Rinkel e Vera Duarte
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, n. 245, de 10 de maio de 2012, p. E11
Os problemas oriundos da imposição da subalternidade às mulheres nas sociedades africanas contemporâneas são desvelados com extrema urgência pela poesia comprometida com questões de gênero, escancarando os preconceitos de diversas ordens sofridos por elas. Em razão do predomínio masculino na literatura não abordar com a devida atenção essas questões, vozes poéticas insubmissas apresentam, a partir de um ponto de vista feminino, as opressões impostas, a revolta e o acalanto para todas as mulheres, transformando os seus poemas em representações de dramas coletivos.
A escritora e jurista cabo-verdiana Vera Duarte e a moçambicana Rinkel são legítimas representantes dessa escrita comprometida a combater o machismo e as desigualdades sociais, pois constroem uma poesia de intervenção social e em defesa intransigente da mulher. Rinkel, pseudônimo de Márcia dos Santos nasceu em Inhambane, em 1977, e já publicou três livros de poesia: “Almas Gêmeas” (1998, AEMO), “Revelações” (2006, AEMO) e “Emoções e Abstrações” (2011, FUNDAC). Hoje, Rinkel é uma destacada voz poética feminina moçambicana, ao lado de Tânia Tomé e Sónia Sulthuane, seguidoras de importantes nomes do passado, tais como Noémia de Sousa e Glória de Sant’Anna.
Tal como em Cabo Verde, tímida é a presença das poetisas na literatura moçambicana, por isso a relevância das obras “Revelações”, de Rinkel, e "Preces e Súplicas ou os Cânticos da Desesperança", de Vera Duarte, para a representação de vozes silenciadas, visto que a persistência é a mola propulsora desse "escreviver". A perseverança permanece acesa para iluminar um futuro sem as desigualdades da contemporaneidade. Assim diz Rinkel: “Eu queria./ Queria muito./ Tanto mais que acreditei que iria conseguir!/ Enfim.../ Nem tudo se consegue.../ Mas continuo acreditando./ Ainda quero./ Quero bastante”. Já em Duarte a perseverança incontestável no porvir: “... até que um dia/ farta já da mediania/ dos voos rasantes// que planam sem ousar// me arme de um hino revolucionário/ e parta// em direcção a uma madrugada diferente”.
Contra as atrocidades do cotidiano, o sujeito lírico de Rinkel é rebelde e insubmisso diante dos preconceitos patriarcais. Revolta-se, atenta as mulheres para o destino cruel que as espera caso se mantenham inertes e as convoca para a libertação de uma consciência feminina: “Encara a realidade mulher!/ (...) Serás escrava do trabalho da tua própria casa,/ Não terminarás os estudos/ Serás amante de um barrigudo/ Teus filhos serão drogados// Não queres nada disso?/ Se não lutares para conquistares teus objetivos/ Vais acabar assim/ Por isso, minha irmã/ Mulher! Mãe!/ Vamos à luta!// Sem homens no comando,/ Sem ninguém dizendo que não conseguirás/ Apenas luta!/ Tu és capaz! A vitória é tua!” Enquanto Duarte mantém uma postura corrosiva, a palavra contestatária firme e direta a tocar nas mentes obliteradas: “Tempos novos/ ideais recuperados/ brilho no ar e transparência em tudo/ serão espelho/ onde se refletirá/ a imagem/ diferente e subversiva/ da mulher de hoje/ a ganhar forma/ a ganhar corpo/ a crescer/ a VIVER”.
Observadoras dos problemas de ontem e de hoje, Rinkel escancara as vidas destruídas, de famílias dilaceradas por ‘companheiros’ ausentes, capazes de abandonar suas mulheres grávidas entregues à própria sorte, como no sugestivo título do poema “Lei da Família Moçambicana”: “Barrigas grávidas/ De pais ausentes, infiéis, polígamos// Amantes/ Sem planos/ Sem promessas/ Sem esperanças/ Sem futuro// Apenas amantes”. Enquanto Duarte demonstra as consequências desse abandono e de sonhos dilacerados: “(...) Queria ser uma mulher sensual/ De formas cheias/ E peito redondo//(...) Queria ser.../ ... e não sou// (...) Queria mas o meu peito/ se exaure/ na busca desesperada do leite/ para a criança/ que me morre nos braços”

Por fim, Vera Duarte e Rinkel são vozes poéticas que incomodam a ordem estabelecida, vozes assumidamente feministas e corrosivas, imprescindíveis nas literaturas de seus países. 

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