domingo, 30 de junho de 2013

Luís Romano - Clima (A Nação)

Luis Romano - Clima
Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, n. 268, de 18 de outubro de 2012, p. E15
Luís Romano de Madeira Melo nasceu a 10 de junho de 1922 na Vila da Ponta do Sol, ilha de Santo Antão, e faleceu a 22 de janeiro de 2010 na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, onde radicou-se e publicou boa parte de sua vasta e diversificada obra que inclui romances, poesia, contos, ensaios e crônicas, “que, na diáspora, perseverou no cultivo do amor à sua terra de origem, concebendo-a sempre como elo entre terras e culturas”, segundo a Dra. Simone Caputo Gomes na homenagem póstuma “Luís Romano: patrimônio intelectual caboverdianobrasileiro (Um depoimento)”.
Com destaque para “Famintos” (1962), “Negrume/Lzimparin, contos cabo-verdeanos” (1973) e “Cem anos de literatura caboverdiana” (1985), Romano organizou com Maria Helena Sato a antologia “António Januário Leite – o poeta além-vale” (2005). Também poliglota, foi defensor da língua materna como língua oficial do arquipélago chegando à conclusão “de que a língua cabo-verdeana procede dialetalmente de um antigo português quinhentista, então praticado nas ilhas durante as Navegações, e, como língua nacional, enquadra-se na categoria das neo-latinas, como testemunho inegável” (ROMANO; SATO, 2005, p. 204).
Aqui trataremos do livro “Clima” (1963, Recife) que reúne uma grande quantidade de poemas distribuídos nos sete cadernos das suas 308 páginas, o que prejudica de certa maneira a qualidade do livro, pois alguns poemas são dispensáveis para a estampa do livro, no nosso entendimento. Entretanto, tamanho fôlego corresponde à postura desse incansável art’vista demonstrada pela versatilidade linguística em poemas na língua portuguesa, língua materna cabo-verdeana e francês, estes reunidos no caderno “Climat”, assim como a inclusão de um caderno com poemas em prosa.
A versificação livre do neorrealismo é a característica predominante em seus poemas. A virulência a qual denuncia as mazelas sociais assemelha-se aos poemas de Mário Fonseca e Onésimo da Silveira. Inquestionável sua postura na defesa dos cidadãos desfavorecidos, o sujeito lírico de Romano angustia-se com o Humanismo – “esse sonho inexistente” (p. 137), para o qual as ideologias da época – “a farsa do socialismo” (p. 136) – não conseguem contemplar. Por isso, a contundência exposta com a mancha gráfica ao afirmar a sua postura contra as injustiças no emblemático “O que sou”: “Não é preciso que me indiquem a classe a que DEVO PERTENCER,/ (...) SOU DA CLASSE HUMANA: eis tudo” (p. 209).
Humanismo que não o deixa insensível aos problemas raciais e à discriminação sofrida pelos negros, “porque na verdade/ ser negro é tam natural/ quanto é/ a origem da espécie humana” (p. 234). Fato que nem sempre é lembrado, por isso chama o “Irmão Branco” para rever seus conceitos: “escuta-me um momento/ ainda é tempo/ porque te falo de irmão para irmão/ – No mistério daquilo que nos formou/ – considera-me –/ Só isso nos basta/ Só isso/ e estende-me tua mão” (p. 236). O poeta também aborda a violência sexual das relações etnicorraciais durante a colonização, fato nem sempre lembrado quando se exalta a mestiçagem: “A negra que varre o escritório/ teve um filho pardo do patrão branco./ (...) O patrão arranjou outras negras para ter filhos/ como quem muda de cigarros/ ou de camisas” (p. 141).
“Clima” é sobretudo um livro caboverdeano no qual a insularidade reforçou o olhar corrosivo à realidade do arquipélago, de compromisso com o seu tempo, de crença na função social da literatura, de amor: “Cabo Verde, Meu Drama, Meu Espanto,/ Meu Berço de Fôlhas,/ ansiedade e pranto,/ esfumando-se ante meus olhos/ como toada triste de morna distante/ para eu dormir sonhando tranquilamente,/ sonhando eternamente Contigo” (p. 181).
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A resenha aqui presente somente foi possível graças à oferta generosa do livro “Clima” pelo amigo Eidson Miguel, pesquisador atento da obra de Luís Romano desde a graduação e que vem dando continuidade na pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), estado no qual Romano viveu.

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