sexta-feira, 4 de março de 2011

Pombal Maria - “Palavras Lavradas”


À procura da concretização de um caminho para a poesia angolana em “Palavras Lavradas”, de Pombal Maria
Por Ricardo Riso, 04 de março de 2011.
“Palavras Lavradas” (Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2010), título do segundo livro de poesia de Pombal Maria, estimula-nos, pelo que o título indica, a realizar a travessia das páginas em busca de um poeta que não tem receio em experimentar e partir para novos referenciais estético-formais, ou seja, a esperança que as palavras lavradas, como bem anunciou Abreu Paxe no prefácio da obra a respeito da arte da capa e da relação com o título, ofereçam-nos novos significados, caminhos diferenciados para a poesia.
Qual não foi nossa surpresa ao constatarmos uma proposta estética com forte inspiração na Poesia Concreta e as suas naturais ressonâncias nos poemas de Mallarmé e e. e. cummings, uma estética vanguardista de discreta presença na poesia angolana?
São amplas as possibilidades que a Poesia Concreta oferece e que parte considerável do conjunto de poemas de “Palavras Lavradas” procura se encontrar com inovações sintáticas e semânticas, a desconstrução morfológica, a exploração da topografia trazendo o componente visual aos poemas e a consequente abolição da linearidade dos versos.
O interessante da Poesia Concreta é a sua subversão em relação à poesia. Com ela, os experimentalismos propostos pelos concretistas brasileiros – Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari e outros – nos anos 1950 ressignificaram a forma de se ler/ver o poema. O poema não era mais sobre algo ou alguma coisa, mas sim autônomo em si, principalmente quando partia para a ruptura com a linguagem, aliando-se às formas geométricas e ao não-verbal. O poeta brasileiro Pedro Xisto, contemporâneo dos concretistas, conseguiu ótimos resultados e podemos citar os seus poemas “Zen” e “Epithalamium – II”:
Pombal Maria explora a visualidade do poema e apresenta um poema que em nosso entendimento vale pela ousadia extrema, um poema que se tornará referência. Trata-se de “1ma cruz entre os ver-sos de interrogações”. Neste, de um quadrado de interrogações simultâneas visualizamos uma cruz que cria um interessante jogo de relações com versos de angolano Lopito Feijoó como epígrafe:

Visualidade que também será explorada com bom resultado no poema “Estranho Naufrágio”:

Encontramos a radicalização e a ironia da proposta poética de Maria em “Poema invisível na lavra de palavras”. Neste, o desarranjo e a impossibilidade da leitura se dá com os diversos sinais de pontuação que constroem o poema, o que demonstra a necessidade de se buscar uma nova forma de discurso para a poesia. Corajosa, frisamos, pois o poeta avisa-nos que a leitura deve ser feita em voz alta, com direito ao aumento dos tipos da palavra “alta”, recurso gráfico que será reutilizado no poema “Dança”, que procura na oscilação do tamanhos das letras o ritmo de uma dança.
Entendemos que as experimentações da Poesia Concreta podem contribuir para a tessitura da poesia angolana, principalmente quando se trata da crítica à ordem estabelecida. Diante do feroz e excludente neoliberalismo da atual política angolana, ficamos, de certa maneira, frustrados com o lirismo de “Fuga”, ainda mais quando lemos os versos “Sombras/ mascam lixo do luxo” e não há como não recordar o célebre poema de Augusto de Campos, “lixo/luxo”:
O discurso utópico permanece no poema “Talvez”, contudo, no plano estético o poema carece de ousadia, pois a subversiva proposta do primeiro verso “SeAsFrasesNãoTivessemEspaço” perde-se com o uso das maiúsculas a cada nova palavra, por que se optasse entre só maiúsculas ou somente minúsculas em todo o poema, isso certamente reforçaria a proposta visual e traria um maior desafio para os leitores. Parece-nos que a indecisão do título se transferiu para a feitura do poema.
Uma outra timidez que devemos pontuar e que merecia ser melhor trabalhada se dá com o uso dos numerais substituindo sílabas ou sintagmas que são fartamente usados por Maria, todavia, com restritiva variação, somente encontramos seus melhores resultados em “Meu amor”. Por isso, é mister recordarmos um belíssimo exemplo dentro da poesia angolana com o “poema alfanumérico”, de Conceição Cristóvão, em “solsalseiosexo”: “eu 20 dizer o seguinte:/ se ele 60/ 100 pejo/ no dorso de sua malva10/ qual 1000ionário/ in100sível/ ou ainda 70/ o inútil desejo de 12ar/ seu c8 incestuoso/ corto-lhe eu o cordão/ 1bilical/ e provoco-lhe uma 5pe./ aí será o final da 9la.”
Apesar do acanhamento apresentado em algumas propostas, e que cabe ao exercício crítico pontuá-los, consideramos que a subversão da linguagem, a ressemantização das palavras em alinhamento com os sinais gráficos, para além do abundante uso dos sinais de pontuação a exigir do leitor participação ativa na construção e leitura dos poemas, como se somente a radicalização da linguagem seria possível em um mundo impossível e insensível, sendo exemplo o ótimo poema “Diálogo dos Mudos”, posicionam este “Palavras Lavradas” de Pombal Maria em um novo paradigma para a poesia produzida em Angola. Um livro que merece nossas atenções e a torcida para que Maria continue a explorar esse vasto mar que a Poesia Concreta ainda pode nos surpreender, principalmente quando inserida nos programas gráficos de computador e sem abandonar o comprometimento crítico ao mundo que o cerca, para “lavrar palavra a palavra (...) pedra a pedra o verbo da noite”. Com seus acertos e erros, “Palavras Lavradas” é um livro necessário e que chega em boa hora para desafinar o coro dos contentes de uma poesia sem riscos.

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