sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

José Luis Hopffer Almada: o poeta-intelectual e o tempo em que vive


O poeta-intelectual e o tempo em que vive

por Ricardo Riso
Resenha publicada na seção Artes & Cultura do semanário cabo-verdiano A Nação, nº 176, de 13 a 19/01/2011, p. 29
O dilaceramento da sociedade mascarado pela ordem neoliberal vigente transforma o cotidiano em um simulacro cínico e hipócrita de bem-estar, anula o senso crítico e anestesia os sentidos das pessoas, tornando-as inertes frente às contradições da pós-modernidade. Caberia aos poetas, enquanto intelectuais e perscrutadores do seu tempo, manifestar o descontentamento diante da aparente inevitabilidade de mudança, de desolação pelo passado e de melancolia pelo futuro que se anuncia? A leitura de “Praianas – Revisitações do Tempo e da Cidade” (Praia: Spleen Edições, 2009), de José Luis Hopffer Almada, auxilia-nos a tecer breves considerações acerca do papel do poeta-intelectual e o tempo em que vive.

“Em defesa dos intelectuais”, Jean-Paul Sartre afirma que “o intelectual é alguém que se mete no que não é da sua conta”, estimulando a sociedade burguesa a afastá-lo, pois suas observações são incômodas e provocativas, tornando-se conveniente desacreditá-lo e legá-lo ao ostracismo. Edward Said no capítulo “Exílio intelectual: expatriados e marginais”, do livro “Representações do Intelectual”, segue as ideias propostas por Sartre e mostra que os intelectuais são conduzidos a conviver à margem da sociedade, pois o exílio “é o desassossego, o movimento, a condição de estar sempre irrequieto e causar inquietação nos outros”, por que se afastando “das autoridades centralizadoras em direção às margens, onde se podem ver coisas que normalmente estão perdidas em mentes que nunca viajaram para além do convencional e do confortável”.

Sendo assim, consideramos que o nome literário Erasmo Cabral de Almada, a faceta corrosiva e voraz de Hopffer Almada, apresenta-se como aquele que importuna a ordem estabelecida e ciente de sua condição: “Eis-me/ entre os papéis/ e estes me dizem:/ é arriscado/ ser-se indagador”. Há o descrédito com o futuro na imagem da criança no lixo, contrapondo-se aos ideais cabralinos de que “as crianças são as flores da revolução/ a razão principal da nossa luta”, tratado de forma crepuscular diante da perpetuação da miséria: “Em aziaga aparência/ debruça-se uma criança/ sobre o contentor de lixo/ e no seu fundo/ surge-lhe/ como o impacto da revelação/ (...) o longo precipício do destino/ o irresistível declínio dos dias...”.

Os poemas atribuídos a Erasmo Cabral de Almada caracterizam-se por um atento olhar das metamorfoses sofridas no Cabo Verde independente. Por isso, temos o desencanto diante das incongruências da política – “com os meus antigos ideais/ perdidos” – expressado por “txibita” (arquétipo do ilhéu): “txibita deixou/ de respirar as palavras dos outros/ (...) por isso/ txibita (...)/ é apátrida/ na sua pátria c.v.”. A indignação do poeta-intelectual com o ocaso dos ideais revolucionários desintegrados com o passar dos anos, demonstra-se no desalento de quem foi partícipe daquele momento histórico: “Também eu/ polícias, vigiei/ vertical/ entre as implacáveis palavras de um ideal/ as verdes folhas de uma promessa/ as reconfortantes falácias de uma utopia/ temendo que/(...) depois somente restassem/ trucidadas sombras da história/ soçobradas recordações do destino”.

Um olhar cáustico e impiedoso sobre a sociedade cabo-verdiana é apresentado em “Cidade VI”, porém um olhar consternado frente às mudanças dilaceradoras da Praia. Novamente, os dirigentes políticos o alvo dileto dos “sobreviventes da cidade” que “cogitam demoradamente na obstinação desses antigos combatentes do mato agora reciclados como sagazes salvadores da pátria”.

Contra a hipocrisia do século XXI, inferimos que o discurso à margem proposto pelo poeta José Luis Hopffer Almada contribui para revelar verdades incômodas à ordem estabelecida em seu país, fazendo da poesia espaço de consciência crítica. Por mais dilacerada que esteja essa consciência, em seu exílio ela sobrevive “de novo/ com os meus ideais”, ainda que desacreditados do PAIGC, porém iluminados pela estrela negra desse intelectual “caçador de estrelas”.

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