quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Germano Almeida – Estórias Contadas


Germano Almeida – Estórias Contadas
Por Ricardo Riso
Resenha publicada no semanário cabo-verdiano A Nação, nº 178, de 27 de janeiro de 2011, p. 29.

Detentor de uma consolidada obra em prosa, reconhecido e aclamado nos países de língua portuguesa e no seu país, Cabo Verde, Germano Almeida, natural da ilha de Boavista, possui como principal característica o irreverente humor nos seus textos literários, dentre tantos, destacamos “O testamento do Senhor Napumoceno da Silva Araújo” (1989, adaptado para o cinema), “O meu poeta” (1990), “A família Trago” (1998), “O mar na Lajinha” (2004) e as crônicas reunidas em “Estórias Contadas” (1998), objeto desta resenha.

Trata-se da reunião de cinquenta e cinco crônicas publicadas em jornal, possibilitando ao escritor a oportunidade de ampliar seu público leitor e expor sua ideias. Esse gênero caracteriza-se pela apreensão do cotidiano e encontra na verve irônica de Almeida um agradável espaço para relatar fatos comuns e memórias da infância, versar sobre a poesia do cotidiano, o que aproxima a narrativa da sua crônica ao conto curto como acontece na hilariante disputa do narrador com a sogra em “A minha cadeira”: “E assim ficamos com um único pomo de discórdia: a minha cadeira. Ela chega e é como se durante anos tivesse estado a sonhar-se nela enroscada, porque dirige-se directamente a ela e instala-se com um suspiro de proprietária saudosa, nunca se comovendo a partir desse momento com nenhum dos meus ares infelizes” (p. 89).

Rememorar as abruptas mudanças de seu tempo, a conscientização da crueldade imposta pelo colonialismo, refletir a identidade cabo-verdiana são alguns temas abordados em “Uma forma de identidade africana”. Nessa, o narrador recorda os seus estudos orientados para que se mantenha subserviente e exalte a ex-colônia, noções configuradas nos slogans “mais fácil é obedecer que mandar” e “Aqui é Portugal”. Perante essas passagens, deve-se recuperar o que Roland Barthes, em “Aula”, assinalou como o fascismo da língua, “pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer”. A seguir, o narrador comenta a disseminação da ideia de “pertença africana” nos “anos 60-70, com a agitada revelação de que Cabo Verde também era África” (p. 15), “um grande sentimento de esvaziamento” causado pela contestação do que distinguia o ilhéu de outros povos. Contudo, o narrador expõe alternativas que demonstram a condição especial de Cabo Verde ao recorrer ao famoso poema de Ovídio Martins, “Flagelados do Vento Leste”, e na afirmação de Baltasar Lopes da Silva, na qual “não éramos nem africanos nem europeus”; conclui o narrador “que criar essa terceira possibilidade é bem do cabo-verdiano (...) E tivemos que aprender que há tantas identidades culturais quantos os povos africanos, e bem perfeitamente que poderíamos pertencer à África desde que levássemos uma etiqueta a assinalar-nos como senhores de uma identidade que nos particulariza como cabo-verdianos” (p. 17).

A condição de marginalidade imposta pela sociedade contemporânea ao escritor enquanto intelectual é bem aproveitada por Germano Almeida nas crônicas. Edward Said, em “Representações do Intelectual”, salienta que o “intelectual no exílio é necessariamente irônico, cético e até mesmo engraçado, mas não cínico”. Em “A saúde de todos no ano 2000”, Almeida revela o seu descrédito frente às propagandas políticas: “Saúde para todos no ano 2000”; “Educação para todos no ano 2000”; e complementa que “de imediato não quisemos acreditar em tal maravilha, sobretudo porque tinha duas características que logo nos fizeram desconfiar da sua seriedade: era de graça e era para todos” (p. 33).

Germano Almeida relata em “Estórias Contadas” passagens do passado colonial na sua infância, situações pitorescas imediatas ao pós-independência e casos recentes da década de 1990. De impostores a presidiários, do apreço ao vinho ao amor ao futebol, essas agradáveis crônicas exaltam o país, o ilhéu e sua cultura: “assim é o cabo-verdiano: orgulhoso da terra onde vive, sofre e labuta contra a permanente estiagem, os olhos no estrangeiro, o coração nas ilhas” (p. 12).

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