sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Jean-Michel Basquiat – The Radiant Child



Jean-Michel Basquiat – The Radiant Child
Por Ricardo Riso

O Festival do Rio Internacional de Cinema sempre reserva boas supresas, traduzidas em excelentes filmes e/ou documentários. Na edição deste ano, aguardei com imensa expectativa o documentário Jean-Michel Basquiat – The Radiant Child (2009), de Tamra Davis. Trata-se de uma entrevista realizada em 1986 pela diretora com o artista plástico norte-americano Jean-Michel Basquiat que ficou sem ser editada por mais de vinte anos.

Basquiat estava no auge da fama, o doc intercala a entrevista com imagens de diversos momentos de sua carreira e depoimentos do artista plástico e diretor de cinema Julian Schnabel (dirigiu o filme “Basquiat”), dos galeristas Larry Gagosian, Bruno Bischofberger e Tony Shafrazi, do grafiteiro e amigo Fab 5 Freddy, e amigos que conviveram com este artista que tomou de assalto o mundo das artes, tornando-se o primeiro negro a vencer no discriminatório circuito da arte contemporânea ocidental.

Basquiat vivenciou um momento de agitação e grandes mudanças em Nova Iorque na virada dos anos 1970/1980. A cidade passava por um período de muita violência e alto consumo de drogas, por outro lado, emergia na comunidade negra a cultura hip hop com seu grafite, a break dance e o rap; assim como uma nova geração bastante inquietante buscava seu espaço com vanguardas que diferiam da ordem vigente. Nessa época destacaram-se três grafiteiros: Kenny Scharff, Keith Haring e Jean-Michel Basquiat. Este começou a chamar atenção com os grafites intitulado com o nome Samo (same old shit - mesma velha merda, uma parceria com Al Diaz), viria a ser o mais bem sucedido artista de toda a sua geração.

Com menos de 20 anos, Basquiat já se apresentava como um artista pronto, seguro e determinado em relação à sua arte. Faltava apoio financeiro para este jovem artista que vivia nas ruas, ou em casa de amigos ou namoradas para sobreviver, fato comum entre vários emergentes do meio artístico da época. Quando isso aconteceu, sua carreira decolou com uma velocidade jamais vista na arte contemporânea. Sua primeira exposição solo teve todos os quadros vendidos e desde então sua ascensão foi fulminante, tornando-se uma celebridade pop que convivia com artistas como Madonna e Andy Warhol.

Seu pungente neoexpressionismo foi o contraponto necessário para determinar o fim da supremacia do minimalismo e da arte conceitual que dominaram as décadas de 1960/1970 e consagraria o retorno triunfante da pintura. Suas imagens viscerais, em grande formato, com forte e intrigante presença textual impactaram a todo o meio da arte, que parecia não estar preparado para algo tão inovador e agressivo. Mesclando o seu conhecimento de história da arte, a sua origem de pais imigrantes – pai haitiano e mãe porto-riquenha –, a linguagem das ruas dos bairros negros, a pop art, o jazz e uma ambição desmedida para vencer, ele foi erguido ao máximo que uma pessoa pode chegar em pouquíssimo tempo. Isso tudo teve um preço e foi cobrado do artista.

Por sua origem das ruas, ser pobre e um homem negro, Basquiat sofria com a discriminação da crítica especializada e de importantes galerias e museus que não aderiram ao seu estilo. Algo que o irritava profundamente, e com razão, a ponto de responder com rispidez a um repórter quando perguntado se ele era obrigado a ficar trancado em um porão para pintar, o que imediatamente o fez reclamar se tal indagação seria feita dessa maneira caso ele fosse um branco ou, sendo um branco, o comentário da repórter seria de algo como “o artista estava em reclusão”.

Consciente da discriminação racial na sociedade americana, Basquiat fazia questão de posicionar-se como negro, por conseguinte, homenageou diversos ícones de nossa cor em sua obra, dentre vários, podemos citar o lutador de boxe Sugar Ray Robinson e músicos de jazz como Charlie Parker, para além de denunciar a violência policial aos jovens negros, exatamente como ocorrer aqui no Brasil, com a célebre tela que mostra o espancamento de Mike Stewart.

Basquiat sabia que era manipulado e tentava jogar com isso, mas a perversa engrenagem das celebridades era mais forte que ele e não teria forças para vencer o inimigo maior, as drogas. Após a avalanche de críticas negativas à má sucedida parceria com o amigo Andy Warhol, o artista mergulha na heroína, situação que pioraria com a morte do papa da pop art. Suas obras diminuíram em intensidade, apesar da genialidade ainda marcante, por sinal são agonizantes as referências à morte na sua última exposição: em uma tela há a repetição da frase “man dies” e em outra, o título e a figura assustadora em “Riding with the Death”. Todavia, a crítica resolveu retirar a máscara que sustentou no início da carreira do jovem artista “selvagem” e frisa a decadência. Com isso, Basquiat perdeu-se e entregou-se cada vez mais até vir a falecer em 12 de agosto de 1988, antes de completar 28 anos de idade.

Riquíssimo em imagens da época, abrangente ao explorar a personalidade de Basquiat e os efeitos nocivos da mídia, para além de dar a devida importância à discriminação racial ao qual o artista sofreu, o documentário Jean-Michel Basquiat – The Radiant Child presta uma justa homenagem à memória deste jovem extremamente talentoso, vítima de uma engrenagem voraz pela qual não foi preparado para viver e foi engolido por ela.

Jean-Michel Basquiat, o maior e mais completo artista de sua geração, ícone do século XX. Negro Orgulho.

Encerro com o poema de Langston Hughes que abre o documentário:

GENIUS CHILD



This is a song for the genius child.
Sing it softly, for the song is wild.
Sing it softly as ever you can -
Lest the song get out of hand.
...

Nobody loves a genius child.



Can you love an eagle,
Tame or wild?
Can you love an eagle,
Wild or tame?
Can you love a monster
Of frightening name?



Nobody loves a genius child.



Kill him - and let his soul run wild.

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