sábado, 18 de setembro de 2010

Tchalê Figueira - Ptolomeu e a sua viagem de circum-navegação, por Ricardo Riso


Tchalê Figueira - Ptolomeu e a sua viagem de circum-navegação
Por Ricardo Riso
Texto publicado no semanário cabo-verdiano A Nação, nº 157, 02/09/2010, p. 18.

Consagrado como artista plástico por uma obra que ilustra os desfavorecidos de seu país, poe outro lado, Tchalê Figueira também possui uma forte vertente literária, tendo publicado livros em prosa e poesia, como “Solitário”, “O Azul e o Mar”, “Onde os sentimentos se encontram”, “Todos os naufrágios do mundo”, para além de publicações em antologias, jornais e revistas como Artiletra.

Ao arriscar-se pela literatura, Tchalê não foge à abordagem das personagens que o consagraram na pintura, ao apresentar a figura do marinheiro que navegou pelos sete mares do mundo, o velho Ptolomeu Rodrigues, protagonista da novela “Ptolomeu e a sua viagem de circum-navegação” (Mindelo: Mar da Palavra, 2005).

Baseando-se na oralidade, com uma escrita descompromissada com as normas da língua culta, o autor utiliza um atento narrador que escuta as peripécias repletas de contratempos do velho marinheiro bêbado, que conta com prazer e algumas boas doses de irritação quando interrompido suas artimanhas pelos diversos bares e prostíbulos das zonas portuárias dos quatro cantos do mundo.

As aventuras de Ptolomeu confundem-se com a história do autor, pois assim como a personagem principal, Tchalê Figueira também fugiu do arquipélago cabo-verdiano durante o final da ditadura salazarista para não ser convocado pelo serviço militar e lutar contra seu povo. Com isso, ainda na adolescência, tornou-se marinheiro e navegou pelo globo.

Cerceado pelos mares, o ilhéu cabo-verdiano possui uma inevitável relação de proximidade com as águas, sendo seu desafio e determinante em seu destino, o que o leva geralmente à emigração por causa das dificuldades trazidas pela seca, fome, miséria e falta de trabalho. E foi exatamente o que aconteceu com Ptolomeu: foi-se embora como clandestino em uma embarcação durante a longa noite do período colonial em busca de outro rumo para a vida, pois sofria com a repressão de ordem familiar, social e política. Logo, encarar o mar significava a liberdade em vários sentidos.

As aventuras e desventuras de Ptolomeu mapeiam, de certa maneira, alguns dos lugares da diáspora cabo-verdiana. Muitos desses emigrantes viram marinheiros ou fixam residência, ou passam pelas cidades as quais o velho Ptolomeu cruzou, tais como Roterdã, Vladvostok e Salvador.

Ptolomeu narra suas histórias a uma plateia imaginária e ao narrador, que se surpreende com os momentos de erudição do velho marujo, suas passagens e encontros inusitados como quando foi salvo em Moscou das cruéis prisões russas pelos camaradas Amílcar Cabral e Pedro Pires (do PAIGC - Partido Africano da Independência de Guiné e Cabo Verde), que lá se encontravam para obter apoio do país comunista para a luta pela independência.

Seu desejo insaciável pelas mulheres é, por conseguinte, o motivo de seus infortúnios em reviravoltas que envolvem chantagens políticas, trapaceiros, policiais corruptos, cafetões, mulheres iradas com sua infidelidade e "cachorros" que cruzam o seu caminho.

Apesar dos percalços vividos pelo velho, as frenéticas viagens de Ptolomeu são saborosas, curiosas, rápidas e irônicas o que torna o pequeno livro uma agradável leitura.

Tchalê Figueira apresenta com a novela Ptolomeu e a sua viagem de circum-navegação como seria a vida de um cabo-verdiano que decidiu encarar os mares e as diversas culturas do mundo, entretanto, a situação diaspórica, motivada pela saudade das ilhas, acaba conduzindo o ilhéu ao seu lugar de origem, ao lugar que ama no mundo, onde termina a sua circum-navegação, Cabo Verde.

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