quinta-feira, 8 de julho de 2010

Para sempre Amílcar - por Ricardo Riso


Para sempre Amílcar
Por Ricardo Riso
Publicado no semanário cabo-verdiano A Nação, número 149, 08 de julho de 2010, p. 14.

(...) para a exaltação das multidões enraivecidas
exultantes com o herói do povo
aclamado como abel djassi
festejado como messias-fundador
adorado como cristo negro dos rabelados de santiago
sempre gratamente louvado como cabral
sempre simplesmente chamado amílcar
(ALMADA, José Luis Hopffer C. Praianas – Revisitações do Tempo e da Cidade.
Praia: Spleen Edições, 2009. p. )

No eterno combate às desigualdades sociais, à exploração e detrimento de muitos para favorecimento de poucos em uma constante metamorfose da dominação opressora, convém estarmos atentos aos discursos estabelecidos e enfrentarmos a perigosa memória seletiva que tenta conduzir à amnésia coletiva personagens importantes do passado. Por isso, em razão de mais um 5 de julho cabo-verdiano independente, a recordação pertinente de Amílcar Cabral.

Não se pretende neste curto espaço falar dos incontáveis feitos do grande líder da união Guiné-Cabo Verde, do PAIGC, da sua atuação como engenheiro agrônomo, da iluminada intelectualidade e do humanismo exacerbado – africano e universal –, para além de todos esses venerados atributos queremos aqui relembrar os seus poemas e a influência dos seus ideais na poesia.

Da consciência política adquirida desde cedo à afirmação intelectual concretizada na prolífica convivência na Casa dos Estudantes do Império, ao lado de nomes como Alda Lara, Agostinho Neto e Mário Pinto de Andrade, Amílcar, em “Apontamentos sobre a poesia cabo-verdiana”, percebe na poesia de “Claridade” e “Certeza” as marcas da cabo-verdianidade: “Os seus poetas sentem e sabem que, para além da realidade cabo-verdiana, existe uma realidade humana de que não podem alhear-se. (...) E dizem, querem dizer ‘um canto... que cruze nos mares mais distantes e entre nos corações dos homens... um canto com contornos de paz e relevos de esperança’”.

É na crença na esperança de uma nova luz que o faz versar “para além de um Sol já velho defraudado/ há um puro Sol cruzando os infinitos/ vivificando a Vida. (...) Que amanhã na planície conquistada/ da terra redimida/ libertada/ os Homens irmanados colherão/ o saboroso Pão”. Sol contrapondo-se à noite colonial manifestada pela insularidade aprisionadora: “colinas sem fim de terra vermelha/ – de terra bruta –/ rochas escarpadas tapando os horizontes,/ mar aos quatro cantos prendendo as nossas ânsias!” Mas é na força proposta pela “reafricanização dos espíritos” na qual o insistente e ansioso pedido do poema “Regresso” visualiza a chuva que renova o tempo: “Mamãi Velha, venha ouvir comigo/ o bater da chuva lá no seu portão./ (...) Dizem que o campo se cobriu de verde,/ da cor mais bela, porque é a cor da esp’rança./ Que a terra, agora, é mesmo Cabo Verde/ – É a tempestade que virou bonança...// Venha comigo, Mamãi Velha, venha,/ recobre a força e chegue-se ao portão./ A chuva amiga já falou mantenha/ e bate dentro do meu coração”.

Orientados pelos ideais cabralinos, por um “destino nosso, livremente escolhido”, letras armadas de poetas surgidos ao final dos anos 1950 como Onésimo Silveira e na “postulação irritada da fraterninade” de Mário Fonseca, construíram o seu fazer poético consubstanciado pelo desejo irrevogável de libertação do país, por conseguinte, do continente africano, escancarado por Fonseca em “Eis-me aqui África”.

Sensível não só ao injustificável colonialismo português, mas a todas as formas de opressão aos países africanos e do 3º mundo em geral, esse “Guevara de África”, tão bem alcunhado por Alda Lara, ganhou uma correta homenagem pelo seu legado de homem, político e poeta na antologia temática organizada por Mário Pinto de Andrade, “O Canto Armado”, com uma seleção de poema: Kabral ka morrê.

Na produção contemporânea cabo-verdiana podemos citar as passagens do supracitado “Praianas”, de José Luís Hopffer C. Almada, nas quais o “verbo livre e urgente” do líder é recordado e exaltado. Com isso, concluímos essa pequena homenagem ao homem de “perfil visionário da aura carismática” que foi Amílcar Cabral.

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