quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Filinto Elísio em entrevista ao Jornal A Nação No. 125



21 a 27/01/2010 Nº 125 Semanário A Nação, p. 11

Uma conversa quinzenal entre João Branco e um artista cabo-verdiano, em tom descontraído, sobre a arte, a vida e as nossas pequenas inquietações. Desta vez, em exclusivo para o Jornal A NAÇÃO, a conversa é com o poeta Filinto Elísio, que se prepara para ter um ano de 2010 em grande, com mais quatro livros no prelo, entre os quais um romance, a serem lançados em Cabo Verde, Portugal, França, Brasil e Angola.

“Sou profundamente cosmopolita e universal, mesmo quando abordo a quietude de uma rosa”

A NAÇÃO - Neste momento, estou a falar com o escritor, com o homem, com o poeta, com o romancista, com o político ou com o utópico que quer o melhor para o seu país?
Filinto Elísio - Estás a falar com o escritor, o poeta e o cidadão que quer o melhor para todos e, nesta condição, para todos os que também vivem neste país. Estás também a falar com um cabo-verdiano que, pelo seu sentir humanista, se posiciona como cidadão do mundo.
Ou seja, no fundo, todos somos muitos e ao mesmo tempo a sua própria ilha...
Todos somos a ilha e o cosmos. É a dualidade da terra e céu, luz e sombra, ying e yang. Somos múltiplos, em tudo, em qualquer lugar e em qualquer tempo, mesmo quando nos sentimos uno. E pluribus unum.

É aquela história do macro e do micro, não é? As pessoas esquecem-se que isso não acontece apenas na economia. Em cada um de nós há essa possibilidade de olhar para a imensidão do mundo, de nos preocuparmos com as acções do Obama ou com o aquecimento global, mas em simultâneo, estarmos angustiados, pensarmos no abraço que queremos dar ao nosso filho, ou no momento em que a morte nos bater à porta...
Os grandes problemas são aqueles mais profundos e existenciais e não aqueles necessariamente disformes. A problemática da morte e da existência é o grande residual filosófico, por exemplo. Naturalmente que os problemas circunstanciais e estruturais acabam por interagir com as nossas tensões existenciais. Mas acredita que todo o Ser tem o dilema da sua própria existência e do espaço vazio que ocupa ou deixado pela sua existência.

Pois, mas deixa-me aproveitar a deixa e perguntar-te se não andamos com espaços demasiado vazios, há demasiado tempo, em tantas áreas onde se exigia um outro tipo de intervenção, quer pública quer de mudança de atitude dos próprios artistas? E já agora, tenta responder a esta provocação sem utilizar a expressão “mudança de paradigma” que foi tão banalizada que hoje ninguém acredita nela!

Bem, eu não entendo o termo “mudança de paradigma” como um cliché ou uma frase feita, ademais banalizada pelo discurso político. Admito que na elasticidade semântica desse termo, haja um esboroar do sentido e uma “perda de élan” do conceito.
Pessoalmente, o grande desafio existencial é mudarmo-nos de paradigma. Derrubarmos o império da razão que construímos a cada momento em nós próprios.

Libertação da concepção mecanicista
Está bem, Filinto, agora tenta lá dizer a mesma coisa sem passar pela expressão do paradigma, para que descrentes como eu, possam fazer uma leitura menos pessimista do estado actual de coisas...
Eu não quero profetizar ninguém e muito menos convencer ou mobilizar as pessoas sobre as minhas razões. Em verdade, temos de nos libertar da concepção mecanicista ou do logicismo do Universo. Se alguma coisa nos incomoda, sendo muita coisa que nos circunda negativamente, a questão que se nos coloca é de como mudar, como reconstruir, como desconstruir, enfim, sem nenhuma verborreia, como reformular os paradigmas e os padrões que nos definem as balizas… (pausa) Temos de questionar as coisas e, sobretudo, de nos questionarmos perante as coisas.

Sejamos práticos, poeta: vais lançar vários livros neste ano. Acreditas mesmo que vai haver muita gente a comprá-los e a lê-los aqui em Cabo Verde, por exemplo? O que podíamos fazer mais nessa vertente do incentivo à leitura?
Mesmo quando teorizo, não abro a mão do aspecto prático. Sou um leitor atento e crítico da prática, no sentido estrito e lato. Muitos dos meus livros não vão ser lidos. Não pretendo fazer nenhum best-seller para o mercado cabo-verdiano. Mas isso não me desconforta, nem me tira sono. Tão pouco me faz viver numa espécie de inferno astral. Aliás, os poetas não são lidos pela maioria. Mas se conseguir emocionar alguém, terei algum gozo. Se alguém se apaixonar pelos meus versos, ficarei numa excitação tremenda. É uma outra dimensão. Quem se preocupa com a distribuição, se tanto, será o meu editor. Já disse noutra ocasião que a escrita criativa não paga as minhas contas. Talvez a consultoria e sua servidão de escriba me garantam alguns honorários. Todavia, é a poesia que me gratifica a alma.

Fomento da leitura
A questão não é os teus livros serem ou não lidos, é não haver quem leia, no sentido mais lato...
Bem, quanto aos incentivos públicos à leitura, defendo uma política mais assertiva e de maior fomento da leitura, das bibliotecas e das novas tecnologias para a leitura, uma das tarefas do Estado no domínio cultural. Quanto aos meus livros, aos nossos, há sempre quem os leia, ao fundo desse túnel.

Bem, sabes que eu serei sempre um leitor atento da tua obra, e um dos aspectos que tenho reparado na tua poesia, não como crítico literário que não sou, mas como simples leitor, é que ela tem vindo a ficar com um grau de complexidade cada vez maior, mais eclética. Eu, que tanto apreciei o teu livro O Lado de Cá da Rosa, com pequenos poemas que nos tocam directamente. Fico por vezes com saudades desse poeta das linhas mais rudes...

O “Do Lado de Cá da Rosa” era um livro iniciático, muito intimista, tacteante ainda da minha liberdade e da minha subjectividade enquanto artífice do meu próprio projecto existencial. Por isso, levava a minha inocência primeva. Talvez tenhas apreciado nesse livro a sua candura e a sua primitiva pöesis…

Apreciei e tenho saudades dela, confesso…
Mas os meus outros livros foram colocando peças mais arrojadas e mais “maliciosas”, se quiseres, no puzzle existencial da minha poética. Tornei-me mais senhor da sintaxe e da semântica. E mais manipulador da força atomizada e metafórica das palavras. Mesmo através da Estética, as palavras são para mim matéria em determinada frequência.

Mas compreendes que haja quem não te entenda... e que haja quem nem se dê ao trabalho, depois de ler a primeira linha da primeira estrofe...

Claro que muita gente não me entende. Eu também não entendo muita gente. Pelo menos, esse entendimento linear, euclidiano e cartesiano. E alguns que me entendem, mesmo de forma percepcionada, não gostam da minha poesia. Mas eu não sou Deus, nem tenho pretensões de agradar a gregos, troianos, cabo-verdianos e seus afluentes. Alexandre O’ Neill dizia desse materialismo das palavras numa metáfora que me apanha: Há palavras que nos beijam/ Como se tivessem boca.

Cosmopolita e universal
Ah, mas por exemplo, essa frase de O’Neill tem um vocabulário que vai em auto-estrada directo para o coração dos leitores... Diria que a tua escrita hoje anda mais sinuosa...
Nada disso. Não ando pelas sinuosas estradas de achadas e cutelos, nem em ruelas de ponta de praia. Sou profundamente cosmopolita e universal, mesmo quando abordo a quietude de uma rosa. Creio que a minha escrita anda pelas estradas da 3ª geração. Mesmo quando “sonetizo”.

O que é que isso quer dizer?
Que sou pós-moderno e que faço parte de um circulo de escrita e de leitura pós moderna, de uma sociabilidade a nível global. Como dizia sempre ao Poeta Dimas Macedo, temos de levar o Clube do Bode para o sideral maior, para além da 3ª vaga.

E não há espaço para a frustração? Num existencialista, há sempre espaço para a frustração...
Sem desmerecer tais referentes, porque eles não têm muito a ver comigo. Naturalmente, tenho muitas, muitíssimas frustrações. Quem não as tem?

Isso alimenta a tua escrita?
Digamos que não me coibiria de as contar ao psicólogo e, numa necessária inconfidência, contá-las aos leitores. Tudo alimenta a minha escrita, as frustrações também.

E para terminar, qual a poesia outra que mais te tem alimentado nos últimos tempos?
São muitos os poetas que me dão prazer. Tantos que não gostaria de enumerá-los. Mas vou arriscar alguns: Maiakóvski, Baudelaire, Leminski, Borges, Senghor, Sophia. Dos de casa: Arménio Vieira e José Luiz Tavares. Vou escrever sobre Corsino Fortes, que é um poeta com uma gramática própria. Leio com gosto Oswaldo Osório e e Valentinous Velhinho. Gosto da poesia.

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