quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Jornal A NAÇÃO (Cabo Verde) 122 - 31/12/2009 - resenha "Praianas" de José Luis Hopffer C. Almada





José Luís Hopffer C. Almada - Praianas


Por Ricardo Riso


Neste ano foi lançado “Praianas – Revisitações do Tempo e da Cidade”, livro de poesia de José Luis Hopffer C. Almada, publicado pela Spleen Edições, com visceral capa de Abraão Vicente e um posfácio muito bem elaborado por Rui Guilherme Gabriel, assim como foram as análises de Inocencia Mata e Maria Armandina Maia à 2a. edição da “Assomada Nocturna” e ao artigo de Mario Fonseca referente à sua 1a. edição. Todo esse esmero crítico valoriza o vigor da formulação poética de José Luis e demarca a pertinência da sua produção para a literatura cabo-verdiana contemporânea, além da reconhecida contribuição na área de crítica literária.

Em “Praianas”, o autor retoma seus heterônimos para reunir poemas sobre a Cidade da Praia e inclui-se na vasta lista de poetas que se inspiram na cidade, tais como Arménio Vieira, Jorge Carlos Fonseca e Filinto Elísio. Estão representados, com seus olhares diversificados e diferenciadas características, NZé di Sant’ y Agu (o mais telúrico, vinculado às ilhas e à cultura de Cabo Verde) autor do longo e épico poema narrativo “Praianas” (recomenda-se as considerações de Rui Guilherme acerca de gênero) e de “Historicidades”; “Poeticidades”, de Alma Dofer Catarino (o que se pretende lírico e existencialista); e “Noiticidades”, de Erasmo Cabral de Almada (a faceta voraz e crítica) que encerra o livro; alguns deles acompanham a criação poética de José Luis desde o final dos anos 1970.

A ironia e o olhar corrosivo e amargo diante da situação atual da Praia e do país revelam-se nos poemas dedicados a Erasmo Cabral de Almada, principalmente em “Cidade VI”: “A nossa cidade está de nojo pelos sobreviventes da cidade” (p. 115). Enquanto Alma Dofer Catarino comparece com lirismo e elegante ironia inferidos na homenagem a Arménio Vieira, em “O desterro do poeta”, ao mencionar o incômodo causado não só pela sua poesia, mas também pela sua presença: “Dizem/ consumias demasiado café (...) Por isso/ instaram-te a mudar/ o teu indeclinável percurso/ de todos os dias/ e proibiram-te de consumir café” (p. 103-105).

Todavia, o engrandecimento deste livro se dá nos poemas de NZé di Sant’ y Agu. O seu apego ao chão de Cabo Verde e a constante rememoração do passado histórico estimulam o poema “Monte-Agarro” (p.95), integrante de “Historicidades”, a celebrar os heróis da revolta de 1835: Gervásio, Narciso e Domingos. Mas é na retomada e no aprofundamento de características das duas “Assomadas Nocturnas” que o longo poema “Praianas” se destaca. Estão lá a evocação, a anáfora, o uso constante da adjetivação e do gerúndio, o discurso metafórico, a enumeração incansável de pessoas, lugares e fatos e a reconstituição do passado pela memória individual (biográfica) e coletiva (histórica).

Na 1a. parte do poema, temos a chegada dos meninos à Praia com suas “almas ávidas das luzes da cidade” (p. 18), o duro aprendizado na urbe, a solidão, a iniciação sexual até o amadurecimento da consciência política e do momento histórico em que viviam, “da multidão libertando os medos seculares” (p. 49). Na 2a. parte, reduz-se a saga dos meninos e enfatiza-se a luta pela libertação em Cabo Verde e Guiné ao recorrer aos participantes do PAIGC, aos anônimos contrários ao colonialismo e aos presos políticos, assim como os combates pela África e a mobilização pela diáspora. Pertinente e bela a participação descrita dos “poetas pastores da noite” (p. 61), “versados na arte poética de intervenção social (...) dotados na ciência da revolta e do inconformismo (...) da palavra contestatária detonadora de ânimos novos” (p. 58).

Este “Praianas” consagra a maturidade poética de José Luis Hopffer C. Almada, seu apuro estético e formal, a incessante e incansável lapidação da palavra. Através da revisitação constante ao passado e valendo-se da sensibilidade à flor da pele na recriação literária, Hopffer Almada presta sua contribuição ao reencenar em uma tessitura poética comovente a história e a cultura de Cabo Verde.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Feliz 2010



Por um ano novo

mais solidário, generoso,
delicado e justo...


Feliz 2010!
Ricardo Riso

IMAGEM: Ver com o olhar dos amantes, para além dos vários firmamentos (ao casal Estrelinho e Infelizmina) - (conto "O cego Estrelinho", série "Imagens Abensonhadas" - livre interpretação dos contos de Estórias Abensonhadas, do escritor moçambicano Mia Couto) - aquarela s/papel de Ricardo Riso - 40,2 x 30,3 cm - 30/04/2009.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Cabo Verde no Provocações (TV Cultura)

Um ótimo presente de Natal será o programa Provocações (TV Cultura) de Antonio Abujamra dedicado a Cabo Verde, sexta (dia 25), às 22h. Os entrevistados serão Cesária Évora, a jornalista Soraia de Deus, o ator Habib Dembélé e o amigo João Branco, diretor teatral do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português/IC-Cabo Verde.

Abraços e bom Natal!
Ricardo Riso

Provocações especial!
Abujamra visita Cabo Verde – África

Cabo Verde é redescoberta por Antonio Abujamra em setembro de 2009.

Abu foi convidado para participar do Mindelact (criado em 1995), que é um dos festivais teatrais mais importantes do hemisfério sul, na cidade de Mindelo, que fica na ilha de São Vicente, uma das 10 que compõe o país.

O nosso entrevistador apresentou o espetáculo “Começar a Terminar” e estava muito bem acompanhado por companhias de Angola, Espanha, Portugal, Mali, França, Bélgica, Republica Checa, Moçambique e França – cujo representante era o grupo de Peter Brook – e do próprio Cabo Verde.

A música de lá é sinônimo de Cesária Évora. Foi ela quem divulgou gêneros musicais como a morna, o funaná e a coladera. Trechos do show que apresentou no Heineken Festival, aqui no Brasil, transmitido pela TV Cultura, serão utilizados no programa.

A cantora abre as portas de sua casa para uma agradável entrevista, onde a cantora fala sobre a carreira, Cabo Verde e a vida.

Além de Cesaria, Abu provoca o ator Habib Dambélé, que também se apresentou no festival; a jornalista Soraia de Deus e o diretor artístico do Mindelact João Branco.

Conheça a magia de Cabo Verde - ÁFRICA !


Convidados:
Cesaria Evora - Cantora de Cabo Verde
João Branco - Diretor artístico do festival Mindelact
Soraia de Deus - Jornalista
Habib Dembélé – Ator

QUANDO:
sexta, 22H00
Reapresentação: madrugada de quinta para sexta, às 01H30.

Fonte: informação passada pela amiga Denise Guerra, do blog Afrocorporeidade. O texto foi retirado do site da tv Cultura - http://www2.tvcultura.com.br/provocacoes/programa.asp?progid=443&tipo=novo

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Feliz Natal!


Desejo um feliz Natal para todos!
Ricardo Riso


Daquela que se foi... (série Sobre a Delicadeza Perdida)
aquarela s/papel - 15 x 10 cm
Ricardo Riso

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Jornal A Nação (Cabo Verde) n. 120 - 17/12/2009 - coluna Ricardo Riso




Para quem quiser receber a versão pdf desta e das futuras edições do jornal A Nação, basta deixar o e-mail para contato neste post ou em qualquer outro do blog, ou enviar e-mail para risoatelie@gmail.com solicitando o jornal.
Abraços,
Ricardo Riso


Passaportes de Abraão Vicente renovam tema caro à literatura: a emigração


Ricardo Riso


A insularidade de Cabo Verde impôs ao ilhéu os dilemas “querer ficar e ter que partir” e “ter que partir e querer ficar” em razão das condições adversas do arquipélago ou a situações políticas, como o colonialismo português e as desigualdades econômicas que a independência não conseguiu resolver. Ou seja, emigrar é parte da cultura de Cabo Verde.

A evasão e a emigração são disseminadas na literatura. A geração da Claridade (1936), marco da cabo-verdianidade, foi acusada de evasiva por seus pares nas décadas seguintes.

Entre os claridosos havia o sentimento nacional independente a Portugal a partir da evasão e do sonho, como no “Poema de quem ficou” de Manuel Lopes:

Eu não te quero mal / por esse orgulho que tu trazes; / porque este ar de triunfo iluminado / com que voltas...(...)
...Que teu irmão que ficou / sonhou coisas maiores ainda, / mais belas que aquelas que conheceste... (...)
que nunca viram teus olhos / no mundo que percorreste...

Nos anos 1940, a revista Certeza (1944) explicita o absurdo do colonialismo. Nos 1960, as guerras coloniais levariam à independência.



A crescente revolta e a nova relação com o mar são retratadas por Ovídio Martins em “Unidos Venceremos”:

Estendemos as mãos / desesperadamente estendemos as mãos / por sobre o mar
As ondas não são muros / são laços / de sargaços / que servirão de leite / à grande madrugada (...)

Após a independência, a antologia Mirabilis – de veias ao sol marca a ruptura da literatura com os dilemas do ilhéu. No prefácio, José Luís Hopffer Almada afirma que:

Fustigada pelos ventos (da incompreensão!), pelo sol (da hipocrisia!), pelos tempos vários do mau tempo literário (...) No deserto, cresce a geração mirabílica (...) Mirabilis – de veias ao sol. Geração mirabílica indagando o sol. (...) Uma única rosa é a Mirabilis, e dela queda um sol de sangue. O sol da poesia mirabílica.

Nessa linha, Euricles Rodrigues escancara o rompimento com o passado literário em “Revolução-evolução”:

Viola a tua tradição / enterra a tua paranóia marítima secular / renega a tua estreita visão interior
E busca / novas formas / novas artes / novos engenhos / nova mente
De / cortar as amarras da estagnação / engravidar a terra de novo sangue / estabelecer nova aliança com o mar

A emigração hoje

É notório o elevado número de emigrantes cabo-verdianos pelo mundo. Porém a xenofobia dificulta o deslocamento de estrangeiros, que se arriscam em embarcações precárias.

Por outro lado, Cabo Verde recebe barcos ilegais africanos impedidos de chegar à Europa, o que gera transtornos ao país, sem estrutura para abrigá-los.

Essa situação denuncia o fracasso do neoliberalismo, em que países do 1o. mundo ignoram a situação caótica da África, em boa parte causada pelas pressões econômicas externas.

Os passaportes de Vicente

Nascido na ilha de Santiago em 1980, Abraão Vicente é autor do blog - http://abraaovicenti.blogspot.com -, com diversas séries expostas que surpreendem pela variedade das técnicas. Diversidade que demonstra segurança, conhecimento e ousadia.

Em duas séries, “Retratos” e “Passports Frames”, Vicente apropria-se de passaportes, objeto de desejo do cabo-verdiano, e cria inquietantes obras. Mas, atento ao momento adverso, recorre a um verso dos Rolling Stones: you can’t always get what you want.

Ao despedaçar o passaporte com pinceladas agressivas, figuras fragmentadas e textos caóticos, Vicente denuncia o desespero de quem quer emigrar. Desfigurando-o, mostra, pela impessoalidade das figuras despedaçadas, o cidadão comum que quer sair para um futuro incerto. O dilaceramento do documento, metáfora da dificuldade de alcançar o sonho, a saída do país.

Inquietação e multiplicidade na escolha dos meios deslocam o observador da passividade da contemplação. Abraão Vicente é um artista em sintonia com as questões do seu tempo ao renovar e não se omitir em denunciar as novas vertentes de um tema que atravessa a literatura cabo-verdiana: a emigração.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Mário Fonseca será homenageado na Associação Caboverdeana de Lisboa

CONVITE

A Associação Caboverdeana de Lisboa vai homenagear o cidadão e poeta de grande envergadura, Mário Fonseca, no próximo dia 17 de Dezembro, pelas 18,30 horas, na sua Sede (sita na Rua Duque de Palmela, Nº 2, oitavo andar) com o seguinte programa: :

-Testemunhos sobre a vida de Mário Fonseca por Maria Margarida Mascarenhas e José Eduardo Cunha;

-Abordagens da obra literária de Mário Fonseca por Elsa Rodrigues dos Santos e José Luís Hopffer Almada:

-Projecção de um vídeo de Mito Elias sobre Mário Fonseca;

-Recital baseado na obra poética de Mário Fonseca.

- Mini-Feira do Livro Cabo-verdiano


Fonte: e-mail gentilmente enviado por José Luís Hopffer Almada em 15 de dezembro de 2009.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Jornais africanos na Revista África e Africanidades

Prezados,

Contribuindo para a disseminação de informações sobre o continente africano, a Revista África e Africanidades está disponibilizando em seu site links diretos (muitos traduzidos para o português) para 205 jornais de diversos países do continente.

Os links estão sendo inseridos de forma gradual, mas o objetivo da revista é incorporar à página links de jornais de todos os países africanos.

Vale à pena conferir no endereço www.africaeafricanidades.com


Att.

Nágila Oliveira dos Santos
Diretora / Editora

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Revista África e Africanidades - chamada para artigos 8ª edição

A Revista África e Africanidades, periódico on-line (www.africaeafricanidades.com) com publicação trimestral (ISBN 1983-2354), recebe até o próximo dia 10 de janeiro artigos, resenhas, relatórios de pesquisa para avaliação e publicação em sua 8ª Edição (fevereiro/ 2010).
Tendo como missão a divulgação de estudos relativos às temáticas africanas, afro-brasileiras e afro-latinas, o subsídio de práticas pedagógicas e formação continuada de professores da Educação Básica, a Revista África e Africanidades tem como principais linhas de estudo:

-Estudos africanos: pesquisa e divulgação
-A cultura afro-brasileira em seus diversos desdobramentos;
-Literatura, mito e memória;
-Educação, formação de professores e relações étnico-raciais;
-Desenvolvimento econômico social e discriminação;
-Corpo, gênero e sexualidade;
-Teoria social e estudos raciais;
-Questões negras na educação;
-Comunicação, mídia e representações: produção, sentidos e veiculação da imagem do negro;
-Os movimentos sociais negros brasileiros: do pós-abolição à contemporaneidade;
-Relações raciais em discursos midiáticos e literários;
-Trajetórias e estratégias de ascensão social de afro-descendentes;
-Territórios e o patrimônio material e imaterial;
-Territórios, religiões e culturas negras;
-A África na sala de aula: questionamentos e estratégias;
-A literatura africana para jovens e crianças;
-Ritmos da Identidade: música, territorialidade e corporalidade
-Literatura, História e Artes: entrelaçamentos possíveis;
-Estudos de narrativa: tendências contemporâneas;
-Afrodescendências e africanidades nas artes no Brasil;
-Direitos Humanos e população negra;
-O comparativismo literári: interdisciplinaridade e hibridismo;
-Tradições orais;
-Religiosidade;
-Juventude e identidades;
-Luta e resistência em espaços urbanos e rurais;
-Saúde da população negra;
-Preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural;
-Políticas de ação afirmativas no Brasil e no exterior: avaliações e perspectivas;
-Participação e representação política;
-Identidades e trajetórias socais;
-Educação: mudanças, desafios e novas perspectivas;
-Mercado de trabalho;
-Racismo institucional.

Veja as normas para envio de trabalhos em www.africaeafricanidades.com/normas

Cabe ressaltar que todos os trabalhos publicados em nosso periódico passam a participar da seleção para composição da Coletânea Cadernos África e Africanidades, versão impressa organizada por temáticas diversas, atualmente distribuída em 7 volumes, a saber:

Cadernos África e Africanidades 1: Literaturas Africanas e Afro-Brasileiras;
Cadernos África e Africanidades 2: Mulheres Negras;
Cadernos África e Africanidades 3: Memória, Tradição e Oralidade;
Cadernos África e Africanidades 4: Educação e Relações Étnicorraciais;
Cadernos África e Africanidades 5: História;
Cadernos África e Africanidades 6: Religiosidade, Identidade e Resistência
Cadernos África e Africanidades 7: Política Educacional

Os volumes acima podem ser adquiridos em nossa livraria virtual

Conheça mais o nosso trabalho em www.africaeafricanidades.com e ajude na divulgação do mesmo.

Att
Nágila Oliveira dos Santos
Diretora / Editora

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Andrade – craque dentro das quatro linhas, craque como técnico-estrategista, orgulho afrodescendente

por Ricardo Riso

Um aspecto importante do jogo em que o Flamengo pode se tornar campeão brasileiro não vem sendo abordado pelos grandes meios de comunicação e que poderia motivar as complicadas relações étnicorraciais na sociedade brasileira: trata-se do técnico rubro-negro Andrade, que poderá se tornar o primeiro técnico negro a ser campeão do principal torneio nacional. E por uma feliz coincidência, o jogo decisivo será no Maracanã, cujo nome oficial é o do autor do histórico livro “O negro no futebol brasileiro” (1947), Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues. Filho, em seu trabalho pioneiro, aponta as discriminações sofridas pelo negro para ser aceito no meio do futebol.

O negro no futebol brasileiro só aparece com destaque como jogador. Foi assim desde que o ludopédio se instalou em nossas terras ao final do século XIX. De esporte de elite proibido aos negros, foi se popularizando entre as classes populares e, somente em 1923, que um clube abriu as portas para jogadores negros: o Vasco da Gama. Aos poucos, os afrodescendentes foram ocupando os espaços nos clubes e na seleção brasileira, mas o jogador tinha que seguir a máxima de que “não basta ser bom, é preciso ser o melhor” para ser aceito.

Talvez o período em que o racismo tenha sido escancarado no futebol tenha acontecido na derrota para o Uruguai, na final da Copa de 1950, no supracitado Maracanã. Naquela ocasião, o jogador Bigode e o goleiro Barbosa foram acusados como os responsáveis pela derrota brasileira por não conseguirem impedir o atacante Ghighia de marcar o gol da vitória. Esse acontecimento motivou a imprensa e parte da sociedade a exigir que negros e mestiços não fossem mais convocados para a seleção. Uma profunda bobagem, pois, passados oito anos, o Brasil seria campeão do mundo na Suécia com o mestiço e genial Garrincha e os negros Pelé (que se tornaria o Rei do Futebol) e Didi. Este, eleito o melhor jogador da competição.

Entretanto, a discriminação não poupou seus esforços. Barbosa sempre foi lembrado por sua falha e, em 1993, o ex-goleiro, já um senhor, talvez tenha sofrido a sua maior humilhação. Ele quis visitar os jogadores da seleção que estavam concentrados para um jogo das eliminatórias da Copa de 1994, mas foi proibido de entrar no hotel. Muitos goleiros negros sofreram com essa “maldição”, tanto que a seleção brasileira só voltou a ter um arqueiro afrodescendente com Dida na Copa de 2006.

Contudo, o racismo não se apresenta apenas dentro das quatro linhas. Só encontramos negros ocupando funções menores como roupeiros e massagistas, ainda assim imprescindíveis, nos clubes, mas jamais postos de liderança. Entre dirigentes e presidentes não vemos afrodescendentes trabalhando nesses cargos nos principais times do país. Essa reflexão pode ser ampliada à presença negra entre árbitros e jornalistas esportivos. Por coincidência, mínima também.

Por isso, o momento atual de Andrade como técnico e a expectativa do título brasileiro força-nos a pensar e a discutir as relações étnicorraciais dentro do futebol, principalmente por sermos a “pátria de chuteiras”. Por conseguinte, as práticas no futebol refletem a nossa sociedade.

Para ser técnico é preciso que o pretendente possua algumas características como liderança, conhecimento tático e capacidade intelectual. Nenhuma delas é associada ao jogador negro que se vale de sua força física para compensar a inteligência reduzida e do dom natural para minimizar suas falhas táticas no esquema do time. Isso já serve como justificativa para que o ex-jogador negro seja incapaz para exercer a função de técnico, pois lhe faltaria a sapiência que um estrategista deveria ter. Ou seja, depreendemos que na mentalidade do futebol brasileiro permanecem os discursos positivistas do final do século XIX.

Entretanto, parece que Jorge Luís Andrade da Silva, o Andrade, quer mudar a história e mostrar que o afrodescendente é capaz sim, desde que tenha oportunidade de trabalhar. De 2004 para cá, Andrade já assumiu o clube como interino em três ocasiões e sempre entregou o time em situação melhor que quando entrou. Foi menosprezado por Cuca que chegou a colocá-lo para compor barreira em treinamentos e ouviu do atual goleiro Bruno, seu comandado, após uma discussão durante um treino que “ele poderia ter ganho tudo como jogador, mas como técnico ele não era ninguém”. Claro que Bruno foi execrado pela torcida e pela imprensa esportiva, indignados com o seu desrespeito a um ex-craque rubro-negro.

Como vemos, o Tromba, como era conhecido por seus companheiros no tempo de jogador, enfrentou situações desconfortáveis mas jamais veio a público reclamar por qualquer injustiça dentro do Flamengo. Sua resposta veio com o retrospecto da passagem atual pelo comando da equipe, em 2009 realiza seu melhor trabalho.


Até agora sua postura como técnico desde que foi efetivado pela diretoria, tem se caracterizado pela serenidade, controle emocional e humildade ao segurar a euforia dos jogadores e exaltar o trabalho do grupo; conhecimento tático ao buscar alternativas ofensivas e romper com o passado “retranqueiro” que dominou o Flamengo desde a passagem do técnico Joel Santana em 2007; educação e inteligência no trato com a imprensa não exibindo a truculência e a arrogância dos principais técnicos do Brasil, os “professores doutores” do futebol.

Além disso, Andrade é parte da história do Flamengo, exatamente no seu momento mais glorioso. Ele era o cabeça-de-área do time campeão do mundo liderado por Zico, o que o faz ter o carinho e o respeito da torcida. Enquanto jogador rubro-negro conquistou quatro títulos estaduais, quatro nacionais, uma libertadores e um mundial. Passou pelo rival Vasco da Gama e ganhou mais um brasileiro. Se a memória não me trair, Andrade é o jogador com o maior número de títulos nacionais desde que a CBF criou o campeonato brasileiro: cinco.

Na minha infância e adolescência ia muito aos jogos daquele grande time do Flamengo. Recordo-me que Andrade, ao início das partidas, sempre procurava enfiar a bola entre as pernas de seus marcadores (a famosa “caneta”), inflamando a torcida a empurrar o time para o ataque. E foi assim, de caneta em caneta que Andrade conseguiu romper o preconceito, se firmou como técnico e poderá viver mais um momento histórico no futebol caso seus comandados conquistem o título. Além disso, se tornará mais um motivo de orgulho para a população afrodescendente brasileira.

A NAÇÃO nº 118 - 03/12/2009 - Mário Fonseca resenhado por Ricardo Riso

Prezados (as),

na edição 118 do jornal cabo-verdiano A NAÇÃO - 03 de dezembro de 2009 - resenhei o livro Se a luz é para todos (Praia: Publicom, 1998) de Mário Fonseca. Foi uma maneira de homenagear o poeta, falecido recentemente, e que tive o prazer de conhecer em um congresso sobre cultura cabo-verdiana na Universidade de São Paulo em novembro de 2008 e constatar sua fala serena, sincera e combatente em defesa da literatura e da cultura de seu país.

Para quem quiser a versão digital do semanário, basta deixar seu e-mail em algum comentário neste ou em qualquer outra postagem deste blog, ou enviar e-mail para risoatelie@gmail.com solicitando o referido arquivo.

A seguir, a resenha publicada nesta edição.

Abraços,
Ricardo Riso



Mário Fonseca – a luz da liberdade em forma de poesia

O teórico brasileiro Alfredo Bosi em O ser e o tempo da poesia afirma que a poesia há muito não consegue integrar-se, feliz, nos discursos correntes da sociedade (BOSI, 1977, p. 143), o que ficou evidenciado com o predomínio do sistema capitalista e sua voracidade em concentrar a riqueza entre poucos. Caberia a uma determinada categoria de poetas, aproveitando a eloquência natural e o olhar visionário, o dever de denunciar as mazelas impostas às classes desfavorecidas.

Nascido na Ilha de Santiago, Mário Fonseca (1939-2009) no seu livro Se a luz é para todos (Praia: Publicom, 1998) expõe sua solidariedade e humanismo exacerbados. Ele pertencia a essa classe de homens que, parafraseando Aimé Cesaire, possuía uma “postulação irritada de fraternidade” (p. 166), e assim versa: talvez / não viva / a minha / própria vida. / Pouco importa. / Vivo / a que / os outros / terão. / Mesmo se / dentro / de séculos! (p.111).

A defesa intransigente dos desfavorecidos percorreu toda a trajetória poética de Fonseca. No histórico suplemento literário Seló (1962), inserido no jornal Notícias de Cabo Verde, o então jovem poeta confirmava sua posição e escancarava as crueldades sofridas pelos seus conterrâneos sob o jugo colonial português: Lá vão eles / Vedê-os! Vedê-nos! / (...) Estrangeiros na noite e na vida (p. 16-18).

Contrapondo-se à longa noite (metáfora do colonialismo) e às injustiças impostas pelo poder ao redor do mundo, sua poesia escora-se na iluminação do fazer poético para, em metáforas e imagens virulentas de intensa luz, demonstrar a crença na vitória contra a opressão, mesmo que para atingir seu objetivo se perca a vida: Luzes! Luzes! (...) Que venha o dia (...) / Afastai de mim a noite (...) / Dai-me luzes e matai-me! Matai-me mas ilumina-me / Ilumina-me / Afogado em luzes / morrerei sorrindo (p. 82-83).

Incondicional, revela as desigualdades sociais no mundo porque sou poeta para as cantar (p. 76), Fonseca vale-se de sua erudição literária para convocar poetas maiores da cultura ocidental, revolucionários tanto na literatura quanto em suas posições a favor dos excluídos. Por isso clama por Maiakovsky, Rimbaud, Garcia-Lorca, Whitman, Eluard, Keats, ora inseridos em versos, ora em epígrafes, e também para mostrar metapoeticamente que a poesia / sol verdadeiro do nosso sistema solar / passe ao combate (...) passe ao ataque contra as bandeiras / por demais desfraldadas / da fealdade / da estupidez / da estreiteza de longos dentes / com todas as armas / com todos os gumes / da rima / do ritmo / da melodia (...) é preciso / urgente / necessário (...) para que / de pólo a pólo / o animal humano / entoe enfim / (...) o primeiro canto verdadeiramente humano (p. 86-88).

Demasiadamente humano, realizando a poesia / no próprio corpo da vida (p. 89), o combatente sujeito lírico de Fonseca saúda grandes líderes como Lénine, Patrick Lumumba e Che Guevara (p. 89), e sua indignação não se esgota, não tem fronteiras: Caboverdianamente vos digo / Enquanto houver um só / Homem algemado – um só! / Enquanto houver um só / Grito sufocado – um só! / (...) Daqui da frente poética / Pleno do vosso grito ouvido / Aos meus versos guerrilheiros / À plena voz gritarei: ao ataque! (p. 90)

A universalização da sua luta faz a travessia do Atlântico, relembra líderes como Langston Hughes e W. Du Bois, atinge as Américas, Chorai negros da América (...) Do Norte / do Centro / do Sul (p.101), alcança a Ásia e o necessário pan-africanismo do poema Eis-me aqui África, ou seja, sua solidariedade expande-se por todo o globo: Vale é querer / com força lutar / com força viver / na terra / de todos / por todos semeada. (p. 107)

De quem dedicou a vida a combater os regimes opressores do mundo, e não foram poucos. Mário Fonseca legou à Humanidade uma obra consistente, coerente e bela. Uma poesia para enquanto houver um ser humano sofrendo injustiça jamais se calará, nunca ficará ultrapassada, sempre será recordada e cantada.
(Ricardo Riso)

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Revista África e Africanidades - 7a. edição

Prezados,

Com um pouco de atraso até tudo se resolver, mas a sétima edição da revista África e Africanidades – www.africaeafricanidades.com - está na web com a diversidade temática que a caracteriza.

Na edição atual, na área de literatura, destaco o belo artigo de Rosidelma Fraga (UFGO) comparando aspectos literários entre Mia Couto e Manoel de Barros, a resenha de Anselmo Peres Alós sobre a antologia “As mãos dos pretos” organizada por Nelson Saúte e outra resenha, de Denise Guerra, acerca do clássico de Cecília Meirelles, “Batuque, samba e macumba: estudos de gestos e ritmos”. Eu compareço com uma resenha da antologia poética “Negroesia” do escritor e prof. Cuti.

Visitem nossa revista e ajudem a divulgá-la, por favor.

Abraços,
Ricardo



SUMÁRIO

ARTIGOS

O dionisíaco e o apolíneo na poética de Salgado Maranhão: o êxtase e o estático
Edimilson de Almeida Pereira e Fabrício Tavares de Moraes /Universidade Federal de Juiz de Fora

Colonização do Sertão da Bahia e Formação de Quilombos em Irará
Jucélia Bispo dos Santos / Faculdade Nobre de Feira de Santana.

O Regionalismo Literário: Um estudo de Os Flagelados do Vento Leste e de Vidas Secas
Eneile Santos Saraiva / Universidade Federal do Rio de Janeiro

Letramento Digital - O Caso Caiana dos Crioulos
Josivaldo Soares Ferreira, Anderson Victor Barbosa Cavalcante e Francinete Fernandes de Sousa / Universidade Estadual da Paraíba

Misericórdias Africanas No Século XVII: A Misericórdia de Massangano
Ingrid Silva de Oliveira / Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

(Re) enegrecimento feminizado: saberes e aprendizados no currículo invisível da comunidade remanescente quilombola de Helvécia - BA
Paulo de Tássio Borges da Silva / Faculdade do Noroeste de Minas

Mia Couto e Manoel de Barros: Uma efusão lírica e existencial nas figuras do Mendigo e Andarilho
Rosidelma Fraga / Universidade Federal de Goiás


RESENHAS

Batuque, samba e macumba: estudo de gesto e de ritmo (1926 – 1936), de Cecília Meireles
Denise Guerra / Secretaria Municiapal de Educação de Queimados

Histórias Lusófonas das Margens do Índico: As Mãos dos Pretos - Antologia do Conto Moçambicano
Anselmo Peres Alós / Instituto Superior de Ciência e Tecnologia de Moçambique


COLUNAS

Crítica Literária
Cuti – compromisso com a afirmação da consciência negra na poesia afro-brasileira
Ricardo Riso - Universidade Estácio de Sá

Finanças
Os sinais de riqueza nos afastam da prosperidade
Marcelo Fernando Theodoro

Psicologia
Juliano Moreira: Lembranças de um cientista negro
Ana Luiza dos Santos Julio / Centro Educacional Metodista do Sul e Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Atitude Filosófica
Agbára Dúdú (Força Negra)
Luis Carlos Ferreira dos Santos / Universidade Federal da Bahia

ENTREVISTA
O poder da ancestralidade na musicalidade do cantor e compositor Tiganá Santana.
André Luiz dos S. Silva / Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

OPINIÃO
“O canto da Rainha”: a Bahia cantada na voz de Daniela Mercury
Ianá Souza Pereira / Universidade Federal da Bahia