quarta-feira, 13 de maio de 2009

Concretos, Neoconcretos e Alfredo Volpi – encontros e desencontros

Convergências e divergências entre Volpi e a geração concreta dos anos 1950 solidificam o projeto construtivo brasileiro
Por Ricardo Riso
Em comemoração aos cinquenta anos do Manifesto Neoconcreto publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, escrito por Ferreira Gullar e com as assinaturas de Amílcar de Castro, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis, os artistas do núcleo inicial, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM) procurou, na medida do possível, recriar a mostra realizada em 1959, intitulada Neoconcretismo – 50 Anos, sob curadoria de Reynaldo Roels Jr. Enquanto o Instituto Moreira Salles (IMS) está com uma retrospectiva de Alfredo Volpi com obras em sua maioria produzidas nas décadas 1950/1960, quando o artista flertou, a sua maneira, com o construtivismo em voga na época.

O Neoconcretismo era uma ruptura dos artistas cariocas perante a ortodoxia do concretismo paulistanos, ligado à rigidez geométrica, fria, impessoal, excluindo da obra artística quaisquer relações com o simbólico, lírico ou emocional, reduzindo-a aos seus elementos puramente plásticos, tanto em forma quanto em cores, que se fecham em si, falam por si. A proposta concreta visava aproximar a arte da produção industrial, em um momento que o Brasil vivenciava um ambiente de euforia com a industrialização do país, motivada pelo governo de Juscelino Kubtischek.

O neoconcretismo buscava retomar o caráter simbólico da arte, a subjetividade, acentuar o afrouxamento da geometria, eliminar a frieza da obra de arte ao permitir a manipulação de obras pelo espectador, tornando-o parte integrante do trabalho, transformando-os em objetos como a série “Bichos” de Lygia Clark, os “Bilaterais” e os “Relevos Espaciais” de Hélio Oiticica, e os poemas-objeto de Ferreira Gullar, deixam a marcar do retorno da “aura” da obra de arte, da retomada do “humanismo” contra a frieza técnica e a certeza científica concreta dos paulistanos. No Manifesto, Gullar procura ser claro ao demonstrar a "tomada de posição neoconcreta" que se faz "particularmente em face da arte concreta levada a uma perigosa exacerbação racionalista"(1). Um ótimo exemplo são as esculturas de ferro criadas por Amílcar de Castro que, a partir de um material duro e pesado, consegue lirismo e leveza com seus cortes e dobras.

Em recente declaração, Ferreira Gullar afirma que

– Quando comecei a escrever o texto, que foi uma proposta da Lygia Clark, para mostrar que o grupo do Rio estava criado, me dei conta de que havíamos chegado a outro ponto. Não éramos mais concretos, como continuávamos nos chamando – justifica, acrescentando a importância do gesto: – A arte neoconcreta é uma invenção brasileira, não foi importada de lugar algum. É um documento original, que representa uma nova visão. Nenhum outro documento chegou a ser isso, deu essa contribuição para a arte brasileira. Era um rompimento com a arte ótica, racionalista, que eliminava a subjetividade. O que havia de novo nisso é que ela se expandia para o corpo, para o manuseio, para a intervenção do espectador. Nesse ponto, era o contrário da arte abstrata. Queríamos a sensualidade, a sedução.(2)

A exposição montada com esmero e delicadeza cobre todo o segundo andar do MAM. O interessante é notar que o Manifesto apenas atesta a mudança natural que os artistas já vinham praticando em anos anteriores a sua realização, fato confirmando por Gullar em entrevista ao caderno Ideias/JB em comemoração ao cinquentenário da mostra. Destaque para as obras das Lygias Clark e Pape, Hélio Oiticica, Franz Weissman, Ascânio MMM e, principalmente, para a presença histórica dos originais publicados no Suplemento Dominical à época, dos catálogos das mostras coletivas e das poesias confeccionadas por Ferreira Gullar. Trata-se de uma exposição para se passar algumas horas e se deleitar com este fundamental movimento da arte brasileira.

Saindo da bela arquitetura do MAM e se dirigindo até a Gávea, encontramos no não menos belo Instituto Moreira Salles a exposição Volpi – dimensões da cor. As imagens selecionadas pela curadora Vanda Kablin retratam basicamente a produção de Alfredo Volpi nas décadas de 1950 e 1960, período que o artista se aproximou da estética produzida pelos concretistas e neoconcretistas. Vale lembrar que Volpi chegou a participar de coletivas com os concretistas paulistanos nos anos de 1956/57, inclusive.

Entretanto, o fascinante das pinturas apresentadas é a constatação daquilo que difere Volpi do rigor formal concretista, sem jamais fugir dos seus preceitos pictóricos. Enquanto os concretistas buscavam suporte nas novas tecnologias, na rigidez dos cálculos, no uso de réguas e compassos para a elaboração de suas formas geométricas, e na pincelada uniforme eliminando o gestual do artista, por conseguinte concebendo a obra de arte como produto e não como forma de expressão, Alfredo Volpi permanecia fiel ao seu processo artesanal de trabalho e ao seu passado de operário.

Para criar suas formas geométricas ele não utilizava réguas e compassos, “consegui-las era a mera obrigação de um artesão devidamente treinado”(3). Continuou pintando com sua tradicional têmpera a base de ovo que deixava visível a superfície da tela, sem jamais procurar atingir as cores chapadas e lisas dos concretistas apesar de reduzir os vestígios do pincel, como podemos conferir em algumas poucas pinturas expostas. A respeito da pincelada volpiana, Olívio Tavares de Araújo resume a relação do artista com o grupo concreto da seguinte maneira: “essa pintura vibra pelo entrechoque entre a racionalidade do projeto e os resquícios líricos da mão”(4).

Em seu projeto concreto, a cor atinge autonomia ao não estar vinculada à figuração mimética, passando “a ser tratada como valor absoluto, seja para organizar a superfície da tela, seja para dinamizar o ritmo da construção e da geometria, com infinitas possibilidades de ordenação do espaço” (5). Com isso, todo o seu repertório plástico, as bandeirinhas, as fachadas, os elementos náuticos agora estão submetidos à cor, tornam-se figuras geométricas autônomas inseridas na espacialidade da tela de acordo com a vontade do pintor. As fachadas, ou melhor, os retângulos ficam suspensos, sugerindo portas e janelas porém descompromissadas da realidade exterior. As bandeirinhas viram retângulos dos quais foram extraídos triângulos, sendo repetidos à exaustão com uma sutil variedade cromática, ou dispersas, suspensas no espaço, ou ainda, como se estivessem flanando como as velas dos elementos náuticos. Ou seja, sem abandonar seu repertório plástico, Volpi recria-o, tratando-o como um infinito manancial de signos geométricos subordinados a sua ilimitada paleta cromática.

Sendo assim, Volpi permanece contemporâneo às gerações dos concretos e neoconcretos dialogando com eles sem jamais ferir seus preceitos e seus temas preferidos, algo parecido ao tratamento dado por Morandi as suas naturezas mortas. Inferimos, pela variedade de formas, que sua inventividade é inesgotável e sua vontade de produzir, infatigável. As obras expostas no IMS mostram um artista de rara sensibilidade, lírico, complexo, moderno, atento ao projeto construtivista da arte contemporânea brasileira e coerente com seu passado plástico.

As exposições completam-se em seus pontos convergentes e divergentes. Trata-se de uma ótima oportunidade para conhecer ou relembrar o rico panorama da produção construtiva brasileira a partir dos anos 1950, e constatar a relevante presença dos nomes de Alfredo Volpi, Amílcar de Castro, Hélio Oiticica, Lygia Clark entre outros na afirmação e na independência de uma arte brasileira autêntica.


Neoconcretismo - 50 Anos
até 07 junho 2009
Museu de Arte Moderna – MAM
Av Infante Dom Henrique 85
Parque do Flamengo - Rio de Janeiro
20021-140
Horários (podem sofrer modificações) ter - sex 12h - 18h sab - dom e feriados 12h - 19h
A bilheteria fecha 30 min antes do término do horário de visitação
+55 (21) 2240 4944
http://www.mamrio.org.br/

Volpi: dimensões da cor
até 5 de julho de 2009
Instituto Moreira Salles - IMS/Rio de Janeiro
Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea
CEP: 21 22451-040 – Rio de Janeiro-RJ
Tel: 21 3284-7400 – Fax: 2239-5559.
De terça a sexta, das 13h às 20h.
Aos sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h
http://ims.uol.com.br/


Notas:
1. GULLAR, Ferreira. Manifesto Neoconcreto. Disponível em < http://literal.terra.com.br/ferreira_gullar/porelemesmo/manifesto_neoconcreto.shtml?porelemesmo > Acessado em 12/05/2009.
2. Ferreira Gullar em entrevista publicada no Jornal do Brasil, Caderno Ideias – Especial Neoconcreto 50 anos.
3. ARAÚJO, Olívio Tavares de. Volpi – a música da cor. Catálogo da exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo entre 05/04/2006 e 02/07/2006, p. 16.
4. ARAÚJO, Olívio Tavares de. Volpi – a música da cor. Catálogo da exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo entre 05/04/2006 e 02/07/2006, p. 16.
5. KLABIN, Vanda. Volpi – dimensões da cor. Folder da exposição no Instituto Moreira Salles/RJ entre os dias 29/04/2009 e 05/07/2009.

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