quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Tchalê Figueira e a circum-navegação nas letras

Por Ricardo Riso
Somente um país como Cabo Verde entre os países africanos de língua oficial portuguesa e a sua vocação para um olhar universalizante poderia proporcionar-me o encontro com temáticas marginais, em sua literatura. Dentro de tal proposta, o nome melhor indicado seria o de Tchalê Figueira, mais reconhecido como artista plástico que ilustra os desfavorecidos de seu país em pinturas representando figuras grotescas e, em alguns casos, hilariantes, carregadas em cores fortes, traços viscerais e gestos expressionistas.

Ao arriscar-se pela literatura, Tchalê não foge à abordagem das personagens que o consagraram, apresentando a figura do marinheiro que navegou pelos sete mares do mundo, Ptolomeu Rodrigues, protagonista da novela Ptolomeu e a sua viagem de circum-navegação (Mindelo: Mar da Palavra, 2005).

Baseando-se na oralidade, com uma escrita descompromissada com as normas da língua culta, o autor utiliza um atento narrador que escuta as peripécias cheias de contra-tempos do velho marinheiro bêbado, que conta com prazer e algumas doses de irritação quando interrompido, suas artimanhas pelos diversos bares e prostíbulos das zonas portuárias dos quatro cantos do mundo.

As aventuras de Ptolomeu confundem-se com a história do autor, pois Tchalê Figueira também fugiu do arquipélago cabo-verdiano durante o final da ditadura salazarista para não ser convocado pelo serviço militar e lutar contra seu povo. Com isso, ainda na adolescência, tornou-se marinheiro e navegou pelo globo.

Cerceado pelos mares, o ilhéu cabo-verdiano possui uma inevitável relação de proximidade com as águas, sendo seu desafio e determinante em seu destino, o que o leva geralmente à emigração por causa das dificuldades trazidas pela seca, fome, miséria e falta de trabalho digno. Foi o que aconteceu com Ptolomeu. Saiu como clandestino durante a longa noite do período colonial, sofria com a repressão de ordem familiar, social e política. Logo, encarar o mar significava a liberdade em vários sentidos.

As aventuras e desventuras de Ptolomeu demonstram alguns lugares em que os cabo-verdianos se espalham pelo mundo. Muitos desses emigrantes viram marinheiros ou fixam residência, ou passam pelas cidades as quais o velho Ptolomeu cruzou, como Roterdã, Vladvostok e Salvador.

Ptolomeu conta suas histórias a uma platéia imaginária e ao narrador, que se surpreende com os momentos de erudição do velho marujo, suas passagens e encontros inusitados como quando foi salvo em Moscou das cruéis prisões russas pelos camaradas Amílcar Cabral e Pedro Pires (do PAIGC - Partido Africano da Independência de Guiné e Cabo Verde), que lá se encontravam para obter apoio do país comunista para a luta pela independência.

Seu desejo insaciável pelas mulheres é, por conseguinte, o motivo de seus infortúnios em reviravoltas que envolvem chantagens políticas, trapaceiros, policiais corruptos, cafetões, mulheres iradas com sua infidelidade e "cachorros" que cruzam o seu caminho.

Apesar dos percalços vividos pelo velho, as frenéticas viagens de Ptolomeu são saborosas, curiosas, rápidas e irônicas o que torna o pequeno livro uma agradável leitura.

Tchalê Figueira conseguiu apresentar com a novela Ptolomeu e a sua viagem de circum-navegação como seria a vida de um cabo-verdiano que decidiu encarar os mares e as diversas culturas do mundo, entretanto, acaba retornando a Cabo Verde. O seu lugar no mundo. O lugar que termina a sua circum-navegação.

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