sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Bando de Teatro Olodum – Cabaré da RRRRAça

Bando de Teatro Olodum – Cabaré da RRRaça: “É preciso ter coragem para ter a cor da noite” espetáculo em que não há espaço para o riso, expõe de forma clara e direta a discriminação vivenciada pelo negro brasileiro

Boa noite, resistência. Boa noite, brancos. Este é um espetáculo didático, panfletário e interativo. Portanto... Meu nome é Wensley de Jesus. Sou negro e estou fora! Faço questão de dizer isso. Não concordo com esse sistema estruturado por brancos há séculos para nos colocar em padrões que interessam a eles. Por isso, estou fora! Porque para mim, ser negro é isso, estar fora, cavando, buscando evoluir. (...)

(Fala da personagem Wensley, Cabaré da Raça)

Encerra-se neste final de semana a curta mostra do Bando de Teatro Olodum, no Teatro Villa-Lobos (RJ), com apresentações das peças Sonho de uma Noite de Verão – uma releitura de Shakespeare, e Áfricas, o contagiante e belo espetáculo infanto-juvenil.

As peças do BTO seguem as propostas do grupo musical: de reconstrução da história sob um olhar negro; da valorização de hábitos e costumes afro-brasileiro e africano; e das denúncias contundentes das mais variadas formas de discriminação racial em nossa sociedade. Sendo este, o foco da peça “Cabaré da Raça” que reivindica uma nova postura do cidadão negro ao procurar conscientizá-lo da opressão vivida por séculos de escravidão e dilaceramento de suas raízes.

Ao utilizar situações banais do cotidiano presentes na maneira como o negro é tratado, o BTO mostra a linguagem internalizada por nós como cruel, repressora e devastadora em relação ao negro, o que torna o espetáculo esclarecedor, inquietante e incômodo.

O riso da platéia, quando surge, e infelizmente perpassa todo o espetáculo, revela o costume inconsciente da discriminação, que, na peça, surpreende por ser ironizado por negros em acontecimentos que trafegam do menosprezo à exclusão. As expressões faciais fechadas, "marrentas", os olhares agressivos e a postura corporal determinada, ereta e insubmissa contradizem os risos. Exemplos notórios são as passagens em que as personagens esteriotipadas reforçam os clichês submetidos aos negros. Enquanto isso, o resto do elenco vira-se para o fundo do palco, reprimindo tais atitudes. Nessas ocaisões, não há espaço para gargalhadas. Entretanto, elas acontecem.

Por ser interativo, o grande acerto da montagem, percebemos o quanto as questões étnicos-raciais são pessimamente trabalhadas e encaradas pela platéia quando questionada pelo elenco. Uma clara metonímia da sociedade brasileira, pois o mito da democracia racial prevalece apesar das diversas manifestações de detrimento ao negro, encenadas durante o espetáculo.

Contudo, Cabaré da Raça, cumpre a sua função por ser um espetáculo panfletário, interativo e conscientizador. Feito por negros, para os negros e para toda a nossa sociedade, pois demonstra o quanto temos de hipocrisia nas nossas relações, apresenta a perversidade da língua que reforça os estereótipos perpetrados pela mídia dominante, e escancara a urgência do negro em valorizar a auto-estima e forçar a ocupação de espaços proibidos a ele durante séculos de repressão.


Por seu caráter inquietante e questionador, “Cabaré da Raça” deveria atingir o maior número possível de pessoas e, assim, ampliar a discussão das nossas conturbadas relações étnicos-raciais.

Sem riso, porém, perplexo, e por que não?, grato. Saí do espetáculo.

Ricardo Riso

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